sexta-feira, 16 de março de 2012

Rodrigo não é filho pródigo

Hoje vou falar, ou melhor, escrever sobre o uso indevido de algumas palavras e expressões. Às vezes até dá certo, e uma palavra ou expressão acaba assumindo um outro sentido, perdendo ou não o sentido original. Quando um novo sentido é agregado, sem perda do original, dizemos que foi criada uma nova conotação. Isso é muito comum entre os criadores de gírias. Algumas gírias acabam pegando, e se tornam parte integrante da língua oficial.

Coroa, por exemplo, continua com seus sentidos originais (não vou relacionar, pois são muitos; sugiro conferir no dicionário), mas lá pelos idos dos anos 60 ganhou uma nova conotação, que, embora classificada como gíria, caiu no gosto popular, de forma que hoje muita gente pensa que sempre foi assim. Essa conotação se refere ao uso dessa palavra para designar alguém de mais idade. Hoje em dia essa expressão vem perdendo terreno para outra, que entretanto não podemos afirmar que vai vingar: mais velho. Que, aliás, me parece mais coerente.

Fiquemos apenas com esse exemplo, pois quero me deter em outra expressão: filho pródigo. Essa sim, utilizada de forma errônea, mas podendo um dia ganhar essa nova conotação, sem que aqueles que a utilizem tenham essa intenção, revelando apenas desconhecimento do seu sentido real.

Quem não tem intimidade com a Bíblia pode não saber, mas essa expressão é utilizada no livro de Lucas, no capítulo 15, onde intitula o bloco registrado pelos versículos 11 a 32: A parábola do filho pródigo. Como se vê nessa parábola, o personagem central desperdiçou totalmente seus bens e dinheiro, que tinha exigido do pai como antecipação de sua herança, quando resolveu deixar o lar e ir viver a sua vida. Sugiro essa leitura, pois é muito ilustrativa.

Há poucos anos meu filho Rodrigo veio morar comigo, em virtude do falecimento de sua mãe, de quem eu era divorciado. Não poucas pessoas, ao tomarem conhecimento da mudança, diziam algo como: "Ah, esse é o filho pródigo que voltou." Ouvi isso até mesmo de muitos irmãos da minha igreja, que parecem não ter entendido bem a parábola.

Sempre fiquei na minha, afinal não me ofendia. Mas talvez ofendesse Rodrigo, que nunca foi pródigo.

Mas o que é pródigo, então?

Há diversas definições (conotações) no Aurélio, mas a que me parece mais conclusiva, e que remete à parábola citada é a seguinte: Que despende com excesso; dissipador, esbanjador.

O Código Civil, no seu artigo 4º, ao definir capacidade relativa, estabelece que "são incapazes, relativamente a certos atos [...]: os maiores de dezesseis e menores de dezoito; os ébrios [...] viciados [...] discernimento reduzido; os excepcionais [...]; os pródigos".

Juntando as duas fontes, percebemos que pródigo é alguém que não consegue gerir sozinho seus recursos, sendo capaz de desperdiçá-los rápida e inconsequentemente.

Portanto, uma pessoa que se foi, e um dia voltou, não é, necessariamente, um "filho pródigo". Tudo vai depender do que ela fez enquanto estava "lá fora".

O filho da parábola era pródigo não por ter voltado, mas por ter jogado tudo no ralo.

Devanir Nunes
ultima-flor-do-lacio.blogspot.com.br

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